11 abril, 2006

Princípios Licitatórios - Parte I

PRINCÍPIOS LICITATÓRIOS

A licitação, como já observamos, constitui-se em procedimento administrativo prévio às contratações da Administração Pública, tendo por finalidade à obtenção da proposta mais vantajosa, assegurada, em todo caso, a isonomia de tratamento aos interessados.

Aqui, dois pontos devem ser destacados. Primeiro, a licitação é definida como procedimento porque consiste numa seqüência de atos administrativos voltados para a consecução de algum fim previsto no Direito, no caso, a contratação da melhor proposta para a administração.

Segundo, como regra, esse procedimento é obrigatório, consoante prega o art. 37, XXI, da Constituição Federal. Em momento oportuno, trataremos das exceções, isto é, das hipóteses de contratação direta sem licitação (dispensa ou inexigibilidade), somente admitidas em situações expressamente previstas em lei.

Passemos ao cerne de nosso encontro. A licitação não pode (deve) ser realizada de qualquer forma, pois se sujeita a conjunto significativo de princípios e normas jurídicos, com o propósito de evitar desvios, favorecimentos e, com isso, permitir que os recursos públicos sejam adequadamente empregados.

Pelo menos, é o que se presume, conforme esclarece MARÇAL JUSTEN FILHO (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11a. ed., São Paulo, Dialética, 2005, pp. 43-44):
"Existe uma espécie de 'presunção' jurídica. Presume-se que a observância das formalidades inerentes à licitação acarretará a mais adequada e satisfatória realização dos fins buscados pelo Direito".

Nessa busca pela regular aplicação de dinheiros públicos, merecem destaque os chamados princípios da licitação. Funcionam como vetores de orientação na interpretação das diversas normas que regulam a matéria, e, ainda, possuem função colmatadora das lacunas, sempre freqüentes no dia-a-dia dos aplicadores do direito (gestores públicos, licitantes, empresários, membros dos órgãos de controle, etc.).

Melhor dizendo, na dúvida, recorra aos princípios!

A propósito, recortamos o sempre balizado ensinamento de CARLOS ARI SUNDFELD (in Licitação e Contrato Administrativo, São Paulo, Malheiros, 1999, p. 19), que assim dispõe:

"Na aplicação do Direito, os princípios cumprem duas funções: determinam a adequada interpretação das normas e permitem a colmatação de suas lacunas. Quanto à primeira, pode-se dizer que:

a) é incorreta a interpretação da regra, quando dela deriva contradição, explícita ou velada, com os princípios;

b) quando a regra admite logicamente mais de uma interpretação, prevalece a que
melhor se afinar com os princípios;

c) quando a regra tiver sido redigida de modo tal que resulte interpretação mais extensa ou mais restritiva que o princípio, justifica-se a interpretação extensiva ou restritiva, para calibrar o alcance da regra com o princípio".


Outro ponto de relevo é classificação doutrinária dos princípios da licitação em explícitos e implícitos (reconhecidos). Os primeiros são aqueles expressamente contidos no rol não exaustivo (fechado) do art. 3° da Lei n° 8.666/93:

"A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos".

Os segundos são os chamados princípios implícitos, que são inferidos do próprio ordenamento jurídico, sem previsão expressa na Lei n° 8.666/93. A título de exemplificação, podemos citar: razoabilidade; padronização; celeridade (aplicável à modalidade pregão); instrumentalidade das formas e da economicidade.

Em razão da relevância do assunto, preferimos dividir nosso tema em dois tópicos. Nesta oportunidade, estudaremos os princípios explícitos e, na próxima semana, abordaremos os demais princípios aplicáveis ao instituto da licitação.

I – Princípio da legalidade

O princípio da legalidade é um fundamental no Estado de Direito. Encontramos sua previsão no art. 5°, inciso II, e no art. 37, caput, da CF/88. Pode ser sintetizado pelo seguinte comando: enquanto o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, ao administrador público só é dado fazer aquilo que a lei permite.

Aplicado ao instituto da licitação, o princípio informa que ao administrador só cabe expedir atos administrativos fundados na lei ou no instrumento convocatório, restando pequena margem de discricionariedade, exercida, especialmente, na elaboração do Edital ou da Carta-Convite. Portanto, a natureza dos atos praticados ao longo do procedimento de licitação é, majoritariamente, vinculada.

II – Princípio da Impessoalidade

O princípio da impessoalidade também é um princípio geral da administração pública, expressamente previsto no art. 37, caput, da CF/88. Traduz a idéia de imparcialidade, e, aplicado ao instituto da licitação, inibe o subjetivismo do julgador, que não pode ajudar ou prejudicar qualquer interessado fundado em seu interesse pessoal. Cuida-se de um princípio intimamente ligado à isonomia e ao julgamento objetivo, como teremos a oportunidade perceber mais a frente.

III – Princípio da Moralidade e da Probidade Administrativa

Na visão de CARLOS ARI SUNDFELD (op. cit., p. 20), os princípios da moralidade e da probidade administrativa "obrigam licitador e licitantes a observarem pautas de conduta honesta e civilizada, interditando conluios para afastar disputas, acordos para aumentos de preços, decisões desleais, etc." A exemplo da legalidade e da impessoalidade, não são princípios específicos do instituto da licitação, sendo aplicáveis à Administração Pública em geral (art. 37, caput e § 4°, CF/88).

IV – Princípio da Publicidade

Segundo o princípio da publicidade, os atos da licitação devem ser públicos e acessíveis a todo e qualquer cidadão. Trata-se de um pressuposto para a fiscalização dos atos praticados no bojo da licitação, permitindo, assim, o exercício do controle pelos órgãos públicos competentes e pela sociedade em geral, denominado, neste último caso, de "controle social".

Vale recordar que o conceito de publicidade não se resume às publicações na Imprensa Oficial e nos Jornais de Grande Circulação, conforme previsão na Lei n° 8.666/93 (art. 5°, caput; art. 15, § 2°, art. 21, caput; art. 26, caput; art. 61, parágrafo único; art. 109, § 1°). Além disso, a publicidade engloba a possibilidade de qualquer cidadão obter da Administração Pública acesso à informação pertinente aos procedimentos de licitação.

Muita cautela, conquanto a publicação corresponda necessariamente ao efeito de dar publicidade, elas não se confundem. Por exemplo, na modalidade convite, dispensa-se a publicação do instrumento convocatório, mas não a publicidade nos quadros de aviso do órgão público.

Vale ressalvar que, segundo determinação legal, o conteúdo das propostas será sigiloso até a sessão pública de sua abertura. Sobre esse tópico, o art. 94, da Lei n° 8.666/93 define como crime a seguinte conduta: "devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo".

V – Princípio da igualdade

O princípio da igualdade também não é específico da licitação e guarda assento na Constituição Federal (art. 5°, CF/88). Aplicado à licitação, o princípio veda a discriminação, a diferenciação ou o favorecimento de licitantes em razão de caracteres irrelevantes para o cumprimento do objeto licitado.

Não se trata da "igualdade formal", pois a lei admite algumas formas de discriminação entre licitantes. Afinal, a fase de habilitação dos interessados não deixa de ser uma forma de diferenciá-los, eis que são julgadas apenas as propostas daqueles que preencham os requisitos de qualificação jurídica, técnica, fiscal e financeira contidos no instrumento convocatório.

Outras vezes, a lei esclarece alguns critérios que não podem ser usados como formas de distinção entre os licitantes: naturalidade, sede ou domicílio, conforme se depreende do art. 3°, § 1°, I, da Lei:

"Art. 3° (...)

§ 1° É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato"
.


VI – Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório

Conforme mencionamos anteriormente, a licitação é um procedimento essencialmente vinculado, restando pequena margem de liberdade ao administrador concentrada na elaboração do instrumento convocatório (Edital e Carta-convite).

Uma vez elaborado este instrumento, a administração encontra-se plenamente vinculada aos seus termos, não podendo deles se afastar. Este princípio inibe a criação de novas regras ou critérios, após a expedição do Edital ou da Carta-convite, de maneira a surpreender os licitantes.

Em suma, "a administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada" (art. 41, caput, Lei n° 8.666/93). Em razão disso, fala-se que o Edital é a "lei interna" da licitação.

VII – Princípio do Julgamento Objetivo

O princípio do julgamento objetivo guarda correlação com os princípios da impessoalidade e da vinculação ao instrumento convocatório. Determina que a Administração se balize em critérios objetivos previamente definidos no instrumento convocatório. Segundo este princípio, deve ser mínima a margem de apreciação subjetiva na condução dos procedimentos da licitação.

O art. 44, da Lei n° 8.666/93 expressa claramente esta idéia:
"No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou no convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta lei".

Uma conseqüência importante deste princípio é a definição de um tipo padrão de licitação - o de menor preço, conforme prevê o art. 46, caput, da Lei n° 8.666/93. Os demais (melhor técnica e técnica e preço), por importarem em maior grau de subjetividade, somente podem ser aplicados nas exceções contidas na Lei.